Por Eduardo Fonseca
“Mesmo contra um gato o tigre utiliza toda a sua força.”
(Gichin Funakoshi)
O que é resiliência
A palavra resiliência está na muito em alta nos dias de hoje como qualidade dos indivíduos que não sofrem com as adversidades ou então que se recuperam rapidamente destas.
Ela veio bem a calhar nos nosso tempo porque a sociedade está muito mais vulnerável à transtornos psicológicos como ansiedade, pânico e depressão do que há 20 ou 30 anos atrás. E não é para menos, o mundo se tornou muito mais frenético, mais volátil, ameaçador e incerto.
Crises econômicas assolam o mundo de maneira cada vez mais frequente, focos de guerras surgem entre povos com velhas rixas a todo momento e novos modelos de vida e sociedade são impostos diante de tantos avanços tecnológicos (a internet e as redes sociais, por exemplo).
A resiliência nos ensina tomarmos para nós as qualidades mecânicas dos materiais resilientes, ou seja, aqueles que possuem a propriedade de recuperar sua forma original logo após serem deformados.
Quanto mais rápida se dá a recuperação, mais resiliente o material. É o caso da mola que, quando comprimida ou esticada, tende a retomar sua forma original imediatamente.
O mesmo acontece ao bambu que se curva ao vento sem dobrar ou partir. Em outras palavras, sobrevive quem for firme e absorve as pressões ambientais ao passo que quem for duro demais, quebra, adoece, abre falência.
Contudo, esse conceito nos ensina a metade do caminho.
Amortizar ou neutralizar os danos pode torná-lo menos ansioso e mais seguro, mas não o tornará mais feliz e mais confiante, pois ele se resume a sobrevivência, ao zero a zero. É como travar um plano perigoso do adversário num jogo de xadrez e negociar um empate.
A longo prazo, é natural que eventualmente a resiliência falhe e os danos comecem a se acumular, portanto, sobreviver deve ser a prioridade número um, mas não deve se resumir à meta.
Quando perguntamos às pessoas qual o contrário de frágil ou fraco, elas dizem forte. Mas analisando a relação risco da perda versus o risco do ganho, e podemos pensar sobre qualquer contexto nesse caso, inclusive um combate ou uma competição, observamos que a relação é simétrica e binária, ou seja, ou se ganha ou se perde.
Isso pode parecer óbvio, mas psicologicamente para um atleta que precisa colecionar resultados positivos isso pesa muito a ponto de fazê-los pensar, mesmo que inconscientemente, que a sobrevivência, ou melhor, manter ou segurar seus resultados tenha uma importância maior que vencer.
Então ele começa a ter uma terrível sensação de que tem algo a perder e carrega esse fardo para as competições ao ponto de prejudicar seu desempenho.
O atleta frágil
De acordo com nosso estudo, portanto, esse atleta está numa condição “frágil”, pois ele compete pelo zero a zero, para sobreviver. É como um soldado entrincheirado que não vê a hora de voltar para casa sem se importar com qual dos lados vai vencer a guerra.
O propósito da luta para esse soldado se perdeu. Ele não se arrisca, não pensa em soluções, não cobre seus companheiros, mas também está mais seguro, não bota sua cabeça para fora do buraco e responde ao tiroteio sem mirar.
De maneira análoga, podemos ver atletas frágeis competindo sem entusiasmo, sem criatividade, torcendo pelos resultados negativos de seus concorrentes, realizando menos da metade das estratégias ensaiadas nos treinos.
Psicologicamente, podemos observar um alto nível de estresse competitivo, insegurança, isolamento e, em alguns casos, instabilidade fisiológica como náuseas, dores, tremedeira, queda de pressão, etc.
O cartel desses atletas costuma refletir muito bem esse “estado de resiliência” com resultado médio de 1, 2 ou até 3 vitórias para cada derrota porque não conseguem manter uma boa regularidade de desempenhos positivos. Ele se torna literalmente um atleta médio que muitas vezes até chega nas quartas ou semi-finais, mas muito menos vezes consegue disputar o título mesmo com um grande potencial técnico.
Causas e consequências da fragilidade do atleta
Quando o atleta se torna “frágil” dessa maneira é preciso averiguar as causas. Isso invariavelmente acontece com atletas de longa carreira que já se estressaram demais com a vida competitiva ou quando lhes falta energia para se manterem motivados e ávidos por resultados.
Nesse caso, já é hora do atleta pensar na sua aposentadoria e refletir se suas prioridades pessoais mudaram de foco.
Também pode acontecer com atletas que vieram de longas recuperações de lesões ou ainda sofreram lesões graves que podem ter minado sua confiança ou disposição.
É preciso pensar sobre a recuperação mental desse atleta ou então, dependendo das circunstâncias, também considerar a aposentadoria. Mas também pode acontecer por uma infinidade de outras causas do âmbito pessoal do atleta ou mesmo por sua natureza psicológica naturalmente “frágil”, coisa que podemos discutir posteriormente em outro estudo.
De qualquer maneira, a resiliência não resolve completamente os conflitos internos dos atletas de alto rendimento (nem das pessoas na vida cotidiana) porque se de um lado temos o “frágil” que sofre com a derrota e o “forte” que é resiliente com a derrota, precisamos ter aquele que se fortalece com ela, ou o “antifrágil”, para termos a simetria dessa relação.
É como a diferença entre uma chama e uma labareda: ambas são essencialmente a mesma coisa, mas enquanto um se apaga quando se assopra, o outro cresce. O conceito é exatamente esse.
O atleta antifrágil
O termo “antifrágil” foi criado por Nassin Taleb, um grande erudito econômico do nosso tempo e escreveu várias obras sobre a teoria do caos que transcendem o propósito financeiro, todavia, o conceito é antigo e já era pregado pelos budistas há séculos com o pensamento “quanto mais água, mais alto o barco”.
É uma forma de pensamento, ou melhor, de interpretação das adversidades, que as considera mais como um fator de estímulo e auto aprimoramento do que um fator de derrota.
Embora isso tenha uma aplicação prática no mundo financeiro onde literalmente se pode ganhar mais dinheiro nos desmoronamentos econômicos do que quando tudo está em equilíbrio, para o atleta funciona mais como uma postura mental diante das pressões incertas das competições.
Segundo a teoria do caos, aquele que acumula ganhos frequentes de maneira linear, embora pareça forte, se torna frágil assim que surge a primeira adversidade fora de sua previsão.
É comum que a derrota para esse tipo de competidor seja fulminante para seu psicológico, pois a invencibilidade se prova um mito quando menos se espera.
A partir daí esses atletas sentem que perderam tudo e perdem o gosto pela competição.
Para eles, é como se tivessem que começar tudo de novo para alcançar o patamar que estavam acostumados há tanto tempo.
Há muitos atletas famosos que tiveram esse fim trágico e sumiram como faíscas ou perderam grande parte de seu brilho e expressão após sua primeira derrota depois de um longo período de invencibilidade.
A fragilidade estava alojada na sensação de ter algo a perder, no fardo da invencibilidade.
Se manter o que representava havia se tornado mais importante do que o resultado daquele embate que o levou à derrota. Essa postura encomenda a derrota a longo prazo.
É por isso que competidores recém-saídos das categorias de base são mais perigosos e imprevisíveis que aqueles mais experientes e antigos.
São como filhotes de serpentes: eles inoculam todo o seu veneno numa única picada para garantir o abate enquanto serpentes adultas dosam seu veneno conforme a presa e às vezes nem chegam a inocular quando se trata de autodefesa.
É uma questão de economia de esforços e quando são surpreendidos, morrem antes de terem a oportunidade de darem seu melhor justamente porque priorizaram a sobrevivência a longo prazo.
Sun Tzu, em sua obra milenar “A arte da guerra”, já alertava para evitar atacar o inimigo quando este estivesse cansado voltando para casa, pois despertariam um aspecto perigoso do inimigo que de repente pudesse se dar conta de que não teriam nada a perder.
Na mesma obra, ele adverte que quando o inimigo é encurralado, é preciso dar-lhe a sensação de que ainda há alguma saída pelo mesmo motivo. A sensação de falta de opção torna as pessoas fortes, voláteis e imprevisíveis.
Enquanto elas têm escolhas, elas tentam se adaptar para evitar situações de vida ou morte e é nesse momento que estão mais vulneráveis; as adaptações sempre se resumem à fuga e à busca por segurança e controle.
O modo antifrágil de se situar no mundo das competições é subjetivo, ele está no comportamento mental.
O atleta precisa se programar para interpretar condições adversas como estímulos, se sentir confortável onde outros tentam fugir e isso pode ser desenvolvido pelo treinamento.
Essa interpretação reprogramada vai possibilitar o atleta liberar mais seu potencial e sua expressão. Ele se torna livre para criar soluções visando o resultado final sem pesar as consequências de elas darem errado.
Ele se adapta mais rapidamente, de maneira mais eficiente e cada embate se torna uma tarefa relativamente mais simples de realizar sem o fardo de se provar a si mesmo ou de se preservar.
Em outras palavras, o atleta para de se impor uma pressão maior do que a própria situação lhe impunha. Mas isso precisa ser treinado, esculpido.
A aversão ao risco é naturalmente mais forte na mente humana (modela mais comportamentos reativos) do que a inteligência emocional de prospectar ganhos APESAR dos riscos, então o atleta precisa se acomodar num modo antinatural de pensamento e comportamento e passar a assumir riscos mais por gosto, por hábito (embora não inconsequentemente) do que por necessidade.
Para o risco compensar, a percepção da recompensa precisa ser maior do que a percepção do risco. Essa assimetria entre ganho e risco é que trará o conforto sempre vitorioso ao atleta antifrágil e o possibilitará mais eficiência sobre todo o seu aspecto técnico.
Algumas dessas posturas podem ajudar o atleta a reduzir sua fragilidade
* O treinamento deve, sempre que possível, refletir o caos competitivo. Isso não significa que o atleta deva ser pressionado aos seus limites em todos os treinos. O ambiente deve remeter à competição. Treinos muito recreativos e descontraídos podem causar um choque de realidade no atleta quando este se depara com o ambiente de competição com público, músicas, iluminação, microfones, torcidas, etc;
* O cartel deve ser valorizado, mas não deve refletir todo o valor do atleta. Isso deve ser praticado por toda a equipe. Vitórias ou derrotas anteriores não devem pesar no momento presente. Muitas vezes, ressaltar vitórias com o intuito de levantar o moral do atleta só o trará mais pressão de manutenção de algum resultado ou impressão passados;
* O atleta deve saber descansar após os eventos competitivos, seja vencendo ou perdendo, e conseguir viver suas outras dimensões pessoais sem que esses resultados interfiram em outros desempenhos. É comum o atleta querer voltar imediatamente aos treinos quando sofre uma derrota achando que mais treinamento resolverá a questão da próxima vez. Quando isso ocorre, ele acaba trazendo o peso da derrota para a próxima competição e a segunda, caso ocorra, será muito menos tolerada. Se ele volta imediatamente após a vitória, ele não sente a recompensa de tudo o que foi feito anteriormente para se alcançar a vitória naquele evento. A vitória deixa de ser uma conquista. Perdendo ou ganhando, há muito sacrifício pessoal do atleta envolvido na temporada de treinamento até o evento competitivo mais toda a carga de estresse resultante das expectativas. O atleta precisa ser recompensado com descanso ao fim de cada temporada para que possa se regenerar e dar um “reset” nos resultados anteriores;
* A equipe deve evitar idealizar expectativas. O atleta deve se sentir livre para ganhar ou perder e sentir que o empenho à vitória é uma escolha somente dele. Quando o atleta se sente obrigado a cumprir metas sua liberdade de expressão diminui pela percepção de algum risco. A relação risco versus ganho se torna assimétrica a favor do risco e traz mais fragilidade;
* A equipe deve falar abertamente sobre os resultados, sejam eles positivos ou negativos. O atleta precisa se sentir confortável em se expressar e essa expressão deve ser restrita aos membros da equipe. Se o time cuida emocionalmente do atleta e o atleta confia plenamente em seu time, na hora do caos da competição a energia de todos vai dar mais suporte à escolha do atleta de buscar a vitória. A sensação de buscar o respeito da equipe por parte do atleta através dos seus resultados é a pior condição psicológica para o bom desempenho sob pressão.
Conclusão
Como vimos, a equipe faz parte do ambiente mental do atleta e todos devem se empenhar em alcançar a melhor sintonia possível entre todos.
O objetivo é desamarrar o atleta dos laços de fragilidade e despertar seu melhor desempenho técnico.
Todo tipo de experiência do atleta relacionada ao desempenho competitivo deve ser positiva e favorecer o fortalecimento psicológico do atleta.
É preciso estar atento aos sinais de frustração, ansiedade e medo em todos os integrantes da equipe: todos devem estar programados no modo antifrágil e nem sempre discursos motivacionais ajudam nesse sentido.
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